O amanhecer do sábado, 28 de junho de 2025, foi marcado por um encontro de tambores, cantos, águas e flores nas escadarias da Paróquia do Rosário e São Benedito, em Cuiabá. A Lavagem do Rosário, em sua décima edição, reafirmou-se como um ato cultural de resistência, espiritualidade e memória coletiva.
Desde as primeiras horas do dia, o centro histórico da capital foi tomado por cores, aromas e passos ritmados. Logo às 6h, o MISC (Museu da Imagem e do Som de Cuiabá) abriu suas portas, acolhendo os primeiros participantes que, ao longo da manhã, se reuniram para uma caminhada que não é apenas física, mas espiritual: um rito que conecta o presente à ancestralidade.
O cortejo teve início pontualmente às 9h, com os fiéis e simpatizantes guiados por vassouras, quartinhas com águas de cheiro e indumentárias que reverenciavam as tradições dos povos de terreiro e comunidades quilombolas. Às 11h, a Solenidade da Paz emocionou os presentes com a soltura de pombas brancas, seguida pela Perfumação das Águas ao som dos clarins, marcando o início do rito da lavagem, que lavou simbolicamente as escadarias da igreja com axé, devoção e esperança.
“O Xirê nos lembra que estamos em círculo, que a força do povo preto é coletiva e gira em torno da paz”, declarou com emoção Regina Oliva de Campos, sacerdotisa de Várzea Grande e atual presidente da Associação da Lavagem do Rosário. Em seu segundo mandato, Regina lidera a organização com um modelo democrático, apoiada por 14 membros divididos nos núcleos Cultural e Sacerdotal.
Neste ano, o tema “Busquemos a paz – Ancestralidade nós de força. Axé!” orientou cada gesto e palavra do evento. Mais do que uma celebração, a Lavagem é um grito silencioso, uma oferenda de beleza frente à violência histórica, uma evocação à dignidade de um povo que, mesmo marcado por cicatrizes profundas, transforma dor em dança e fé em resistência.
A cerimônia ocupa um lugar sagrado – o mesmo chão por onde caminharam os mais de 60% de cuiabanos escravizados vindos da África Central, que ergueram a cidade com seus corpos e sabedorias. É por isso que a Lavagem é também um gesto político: uma lembrança viva de que não há futuro sem reconhecimento do passado.
Representando a ACUBÁ (Associação Cuiabana de Belas Artes), a presidente Zilda Barradas ressaltou a relevância do evento para a cultura local e para a valorização da memória afrodescendente:
"A Lavagem do Rosário é mais do que uma celebração cultural, é um ato de resgate e valorização da memória do nosso povo preto. Cada flor, cada tambor, cada canto entoado nas escadarias do Rosário reafirma a presença viva da ancestralidade que construiu esta cidade. Como representante da ACUBÁ, vejo nesse evento uma ponte entre passado e futuro, onde a arte, a fé e a resistência caminham juntas em nome da dignidade e da paz."
Após o encerramento dos rituais religiosos, os participantes seguiram para o Hotel Fazenda Mato Grosso, onde uma tradicional feijoada afro-brasileira, patrocinada pelo Governo do Estado de Mato Grosso, Assembleia Legislativa e Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer reuniu os presentes em um momento de confraternização, com entrada solidária mediante a doação de 1kg de alimento não perecível. Além disso, o almoço foi embalado pela banda "Tome aí", que alegrou os participantes. Tudo isso graças a emenda parlamentar do deputado Wilson Santos e deputado Júlio Campos.
Sem fins lucrativos, a Lavagem do Rosário é mantida por doações, parcerias e pelo esforço voluntário de muitas mãos. Oficialmente incluída no Calendário Cultural de Cuiabá pela Lei nº 6.304/2018, o evento busca consolidar-se como uma das maiores celebrações culturais de Mato Grosso, mantendo viva a chama da espiritualidade afro-brasileira e o sonho de uma sociedade mais justa.
“A paz que buscamos precisa de movimento. E é caminhando juntos que a encontramos”, resumiu uma das organizadoras durante o cortejo.
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