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Opinião Sábado, 16 de Agosto de 2025, 09:51 - A | A

Sábado, 16 de Agosto de 2025, 09h:51 - A | A

Elismar Bezerra Arruda

O caso do carro com as rodas soltas

Elismar Bezerra Arruda

Com o fim da ditadura militar, o Brasil vivia aliviado do tormento diuturno do arbítrio, que ameaçava como uma espécie de “espada de Dâmocles”; respirava-se aliviado, ar puro, cheiro de esperanças nas ambiências todas, afirmando-se lutas interrompidas e renovadas, novas organizações e crença forte na feitura de um novo futuro. Trabalhadores, trabalhadoras, estudantes, mulheres, indígenas, negros e brancos, revivificavam, reconceituando teórico-praticamente, os movimentos e as organizações sindicais, populares, estudantis, culturais, religiosos, etc.; desdobrando-se em esforços para a construção de um novo tempo, a partir “dos debaixo”, “dos deserdados da terra”.

A sociedade se olhava, buscando enxergar em seu próprio corpo os resquícios e marcas do arbítrio que se impôs por mais de vinte anos, e tinha que ser removidos para outro viver, de liberdade. Nesse reboliço de esperança e fé, foi que a necessidade de um novo e urgente ordenamento jurídico se impôs ao País, sentido desde o mais simples ao mais letrado dos brasileiros; os defensores da Ditadura parecia terem sido tragados pela terra: desapareceram com sua empáfia, covardia e perversidades. Assim, instaurou-se o Processo Constituinte, mobilizando os diversos mundos brasileiros, por suas mais diversas e singulares necessidades e interesses, nas regiões todas; assim, fruto de grandes embates, discussões e convencimentos, a sociedade brasileira, expressando suas contradições, elaborou a Nova Constituição!

Naquele então, direita e ditadura eram tomadas como coisas similares, de modo que político nenhuma se reivindicava ter essa coloração político-ideológica, para não ser imediatamente identificado e ligado aos tempos turvos e perversos da Ditadura; embora a Casa Grande tenha vociferado contra as reivindicações e propostas democrático-populares, impondo-se em vários momentos e assuntos, de forma a frear maiores avanços. Eis que assim, se enraizou e se difundiu um tempo de fecundas construções democrático-populares, em que a Democracia se impôs nos Caminhos e no Horizonte que se abriam, esperançosos e alegres, por uma diversidade belíssima de lutas e organizações; um protagonismo extraordinário dos trabalhadores de todas as categorias.

Os Servidores Públicos das três Instâncias, proibidos de se organizarem em sindicatos desde o Estado Novo, conquistaram esse direito e liberdade e os instituíram na Constituição de 1988, estabelecendo um novo tempo para suas organizações e lutas. Com essas conquistas e avanços, também se alcançou a reestruturação dos Serviços Públicos, à vista de uma nova qualidade, na perspectiva da afirmação da cidadania: Educação, Saúde, Assistência Técnica e Extensão Rural, dentre outros. A Segurança Pública, não, infelizmente: em muito, seguiu sob as concepções e estruturas da Ditadura...     

Amparados por essas nossas conquistas, “constitucionalizadas”, em 1989, em junho, tivemos a eleição para a primeira Diretoria da nova organização dos trabalhadores da educação, transformada em Sindicato: o Sintep-MT, que substituíra a antiga e histórica AMPE – Associação Mato-Grossense dos Profissionais da Educação. Estruturado, de modo a expressar em suas instâncias a força da categoria espraiada em todos os municípios do estado, o Sindicato herdava as lutas e a história das Associações que o precederam, e se inaugurava pelo modo de ser e pelas perspectivas do chamado Novo Sindicalismo, nacionalmente liderado pela CUT – Central Única dos Trabalhadores. Era um tempo de muito aprendizado. Confluíam para as nossas reuniões, seminários, assembleia e congressos, dando uma qualidade singular às lutas e à organização, as experiências todas vivenciadas nos diversos e riquíssimos ambientes e tempos sociais em que educadores e educadoras haviam tomado parte, como educadores e como cidadãos, inclusive no combate à Ditadura...

Lá se vão mais de trinta e cinco anos. Sim, a quase totalidade daqueles educadores e educadoras da Educação Básica de Mato Grosso não está mais na ativa: estão aposentados, aposentadas – alguns e algumas, muito queridos, nem mais entre nós. Tempinho atrás, saía de um restaurante em Cuiabá, quando duas professoras me reconheceram e pararam, cumprimentando com alegria: “Quanto tempo, Professor! Saudade daquele tempo, quando a Educação...”; como em outras situações, vivi o constrangimento de conversar com as duas professoras durante alguns minutos, sem conseguir reconhece-las, sem lembrar os nomes. Ainda bem que ali, não me perguntaram: “Tá lembrada de nós? Lembra o meu nome” Além das mudanças nas nossas aparências (porque o tempo é implacável!), da memória ser ocupada por muitas, novas e necessárias informações, é impossível lembrar o nome dos milhares de pessoas que participavam daquelas lutas, ativamente. Perdoai...

Mas, naqueles tempos da luta sindical ocorriam fatos esquisitos, que, às vezes, nos deixavam ressabiados. Depois desses prolegômenos, lembro um desses. Ocorreu num dia em que fui participar, acompanhado de alguns companheiros educadores, de uma das muitas reuniões sindicais em que tomávamos parte. Foi uma reunião ali no centro de Cuiabá, nas imediações da Praça da República. Estacionamos o velho carro do Sindicato na Rua 13 de Junho, uma Belina II, e fomos pra reunião, que terminou próximo do almoço. Saímos da reunião e fomos pegar o carro pra voltarmos ao Sindicato; quando íamos abrir as portas da Belina, um sujeito de uns 30 anos aproximou-se de nós, e disse-nos, sem rodeios: “As rodas do carro de vocês estão soltas, com os parafusos frouxos...”; disse isso e se abaixou conosco para comprovar que era possível rodar as porcas com os dedos, de tão folgadas. O sujeito disse que estava passando e viu as rodas com os parafusos soltos, que era pra gente tomar cuidado com aquilo; falou isso e foi embora, sumiu. Apertamos as rodas e fomos para a sede do Sindicato...

Achamos estranho, mas, éramos afoitos demais para maiores preocupações: tínhamos o mundo dos poderosos pra desconstruir e o nosso próprio para edificar. Nunca soubemos mais nada daquele fato, nem nos perguntamos sobre quem teria feito aquilo e qual era a intenção. Passou, esquecemos...

Prof. Dr. Elismar Bezerra Arruda é professor na rede pública de ensino. 

 

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