Nos últimos dias assistimos, um pouco horrorizados, um pouco esperançosos, à viralização de um vídeo abordando um assunto conhecido, porém por muito tempo negligenciado – a adultização de crianças nas redes sociais. Até esta quarta-feira, dia 13 de agosto, a publicação do youtuber e humorista Felipe Bressanim Pereira, o ‘Felca’, já havia batido mais de 36 milhões de visualizações, ganhando destaque, inclusive, em rede nacional de TV.
Só pelo número de ‘views’ e pela duração, a postagem, que exige quase 50 minutos da nossa atenção, já seria um fenômeno. Mas o trabalho minucioso do influencer, uma produção próxima de um documentário, foi além. Furou a bolha com a qual temos convivido há cerca de uma década e colocou de um mesmo lado pessoas que há muito tempo não se comunicavam ou pelo menos não conseguiam estabelecer um diálogo. Afinal, só quem lucra com a superexposição de crianças nas redes ousaria levantar a voz contra a denúncia feita por Felca.
Eu percebi esse movimento, até com uma certa satisfação, no dia seguinte à publicação do vídeo, quando uma senadora, alinhada à direita, se manifestou em uma plataforma, chamando atenção para o problema, citando os projetos de autoria dela em relação ao tema e parabenizando o influenciador que, até então, sempre atraiu um público mais jovem e mais progressista. De lá pra cá, muitos outros parlamentares se agarram à bandeira levantada pelo youtuber e ‘Felca’ vai, muito provavelmente, virar nome de leis país afora. No Congresso, é quase certa a instalação de uma CPI para investigar a sexualização de menores na internet.
A soma de esforços e o aparente consenso sobre a necessidade de discussão e aprovação de normas que visam combater a exploração de crianças e adolescentes em ambientes digitais me trouxe algum alento, logo dissipado pela nossa realidade polarizada, indiscutivelmente ampliada pelos mesmos algoritmos que fazem circular imagens de meninos e meninas em situação degradante. No meu feed, em um extremo, alguém se lembrou que a solução para o problema teria que passar pela regulamentação das redes (censura?). No outro pólo, alguém reclamou que a ‘adultização’ já vinha há muito tempo sendo denunciada por mulheres, mas que só agora, com a fala de um homem, causou indignação (sociedade patriarcal?).
Não vou gastar tinta para opinar sobre essas posições, alimentando o confronto em uma pauta que, como tantas outras já enterradas nessa lógica de ‘nós contra eles’, merece estar acima disso. Ao invés, vou usar esses dígitos finais para propor uma reflexão, trazendo como parâmetro a polêmica recente envolvendo o uso da linguagem neutra em Cuiabá. No atual capítulo dessa novela, alguém resolveu pichar ‘todes’ no tapume de uma obra no centro da cidade, o que mobilizou uma avalanche de comentários, contra e a favor, nos posts que replicaram a história. Enquanto isso, motoristas enfrentam um trânsito caótico por conta de um cronograma de obras mal planejado, usuários do transporte público viajam em pé e pedestres sofrem com calçadas ruins. Tudo isso sob um calor de 40 graus, que poderia ser amenizado pela implementação efetiva de um plano de arborização.
Na década de 80, quando eu não tinha que me preocupar nem com política, nem com boletos, havia uma grande discussão sobre o tempo que passávamos em frente à televisão e de como isso poderia formar adultos alienados. Agora vivo em um mundo hiperconectado, esperando que se cumpra a promessa de que o acesso à tanta informação amplie nossos horizontes e melhore as nossas vidas. Mas no momento, diante das múltiplas telas, a impressão que eu tenho é que perdemos completamente o foco.
Iviush Belotto é diretora de jornalismo da TV Vila Real
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