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Opinião Quinta-feira, 14 de Agosto de 2025, 15:40 - A | A

Quinta-feira, 14 de Agosto de 2025, 15h:40 - A | A

LAURINHA LUCENA

UTI – Última Trincheira de Idosos?

Laurinha Lucena

"O critério para liberar UTI é a idade."
Ouvi isso e respirei fundo.
— Mas ela tem 75 anos.
"Não, você não entendeu: se tem mais de uma pessoa precisando, escolhem o mais novo, porque tem mais chance de sobreviver."

A explicação veio seca, como se estivesse me falando sobre peças de uma máquina. Linha de produção? Fila de abate? Entre humanos?
"Pior! Lá é lugar de descarte de velhinhos", completou outro, com a naturalidade de quem comenta o preço do tomate.

E assim, no corredor e na sala de espera, as palavras viram armas:
"Está demorando muito a cirurgia. Tem que chamar a imprensa."
"Vai esperar necrosar o corpo todo?"

Receitas prontas para quem, como eu, está há mais de duas semanas acompanhando uma amiga internada, sozinha no mundo, com necrose nos pés e um histórico de vida de dar lição a muito jovem que hoje digita indignação nas redes.

Descobri que não existe manual para lidar com esse tipo de guerra — a que mistura a luta pela vida com a luta contra o terrorismo verbal. No leito, a dor e a espera. No corredor, as palavras afiadas que ferem tanto quanto bisturi.

Falam em critérios técnicos, protocolos, probabilidade de sobrevivência. Mas esquecem que não estamos falando de números: estamos falando de gente. E gente não se descarta porque passou dos 70.

O que mais me assusta não é apenas a escassez de vagas, mas a facilidade com que naturalizamos a ideia de que o velho tem “menos direito” a lutar pela vida. A frieza com que se decide, fora dos muros da UTI, quem merece e quem não merece tentar.

Enquanto isso, eu sigo fazendo o possível — e o impossível — para que minha amiga tenha não apenas atendimento, mas dignidade. Porque, entre protocolos e estatísticas, alguém precisa lembrar que cada corpo na maca carrega uma história inteira.

Talvez um dia possamos discutir abertamente o que é justo e o que é cruel nas UTIs do Brasil. Mas, até lá, vou continuar na linha de frente, resistindo ao cansaço e filtrando o veneno das palavras de corredor.

Porque mais do que vaga, minha amiga precisa de esperança que, a meu ver, ela (a amiga internada), não tem mais.

*Laurinha Lucena é jornalista desde 1978. Mora em Chapada de Guimarães, MT, desde 2011, onde também é guia de turismo .

 

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