A Associação dos Candidatos Aprovados no Concurso Público para Soldado da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso (ACAP-PMMT), que representa cerca de 300 aprovados aptos à nomeação imediata, protocolou nesta quarta-feira (16) representação junto à Procuradoria-Geral de Justiça de Mato Grosso cobrando providências urgentes diante do colapso na segurança pública e do não cumprimento, por parte do Governo do Estado, do chamamento dos concursados de 2022. O certame soma 1.800 aprovados, porém, apenas 700 convocados.
O escritório AFG & Taques também protocolou uma representação de natureza externa denunciando a situação ao Tribunal de Conta do Estado (TCE-MT) na tarde desta quinta-feira (17); vai encaminhar, formalmente, a situação à Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT), cobrando providências aos deputados estaduais, e remeter o documento a todas as prefeituras municipais.
No documento, a Associação denuncia o desmonte institucional da Polícia Militar. Conforme o lotacionograma de abril de 2025 da administração estadual, a PMMT possui apenas 7.132 servidores em exercício, para um total autorizado de 13.384 cargos. O déficit ultrapassa 6 mil policiais, o que corresponde a 46,72% do efetivo total previsto, e de 61,32% considerando apenas soldados e cabos, que são justamente os cargos previstos no último concurso da corporação.
Para o presidente da associação, José Lucas Souza Egueis, a situação tende a piorar. Entre 2016 e 2023, pelo menos 1.400 policiais militares foram aposentados, e a expectativa é de que mais 855 entrem na inatividade até 2026. “O governo tem optado em manter parte da tropa em jornadas exaustivas de trabalho, por meio da "jornada extraordinária", que custa cerca de R$ 5,8 milhões mensais, valor suficiente para empregar quase mil novos soldados com salário integral”.
A ACAP-PMMT relata que, em muitos casos, as horas trabalhadas dos policiais mato-grossenses ultrapassam 390 horas mensais, o que equivale ao dobro da carga horária legal de 195 horas/mês, prevista na Lei Complementar nº 555/2024. Essa sobrecarga contribui para outro problema: o adoecimento dos profissionais, como indicam os crescentes afastamentos médicos e aposentadorias por invalidez, configurando em uma situação de abuso institucionalizado, além de aumento de casos de suicídio.
“Embora sejamos 300 na associação, temos mais de mil aprovados no último concurso que exigem respeito do governo de Mato Grosso. Viemos a público mostrar a situação de descaso a partir de dados, de números concretos e ainda expor a real necessidade de convocação de mais policiais, que é para o bem comum, para a sociedade. Não se faz segurança pública com gambiarra, com propaganda e marketing”, afirma o presidente da entidade.
Recentemente, o governo do estado sinalizou a intenção de contratar policiais militares temporários, medida prevista na Portaria nº 691880/2025 do Comando-Geral da PMMT. Mas a Associação alerta que a contratação temporária fere os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade e da obrigatoriedade do concurso público para cargos permanentes na segurança pública.
"Temos uma situação em que o governo do estado prefere soluções precárias e emergenciais a cumprir o que a própria Constituição determina. Há um concurso válido, com aprovados prontos para servir, enquanto a população sofre com o aumento da violência e a ausência do policiamento ostensivo nas ruas", afirmam os advogados Everaldo Andrade Jr. e Murilo Gonçalves, do escritório AFG & Taques.
Patrícia Timm conta que dedicou pelo menos cinco anos da sua vida à rotina de estudos, inclusive, fez o TAF (Teste de Aptidão Física) em 2022, uma das etapas do concurso, empurrando a cadeira de rodas da filha Cecília, de 6 anos. “É uma frustração e uma insegurança muito grande não ter notícias sobre a convocação, é triste como mulher, cidadã e mãe de uma criança que precisa de cuidados especiais saber que posso não ser nomeada, depois de todo sacrifício que eu e minha família fizemos”.
A Associação reforça que os aprovados passaram por todas as etapas do certame e aguardam há mais de um ano pela convocação para o curso de formação. A omissão do Governo compromete o princípio da confiança legítima no serviço público e representa descaso com a ordem constitucional.
Entre os pedidos feitos ao Ministério Público do Estado, estão: instauração de inquérito civil para apurar as omissões administrativas; notificação ao governo para apresentação imediata de plano de nomeação; suspensão de qualquer tentativa de contratação temporária enquanto houver concurso vigente; acompanhamento institucional da situação da segurança pública nos municípios mais afetados.
Escalada da violência
Mato Grosso registrou uma taxa de 31,7 homicídios por 100 mil habitantes em 2023, a oitava mais alta do Brasil e a maior da Região Centro-Oeste, conforme dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública (SESP-MT). Municípios como Sorriso, Sinop e Pontes e Lacerda lideram os índices de violência, com números crescentes de homicídios, feminicídios, latrocínios e estupros. Em 2024, Cuiabá registrou 61 assassinatos, um aumento de 22% em relação ao ano anterior; Sinop foi de 47 para 55 homicídios, e Pontes e Lacerda entrou no top 5 das cidades mais violentas.
Relatórios do Ministério Público também indicam o avanço de facções criminosas, tráfico transfronteiriço e criação de cemitérios clandestinos no interior do estado. Em Juína, o MPMT ajuizou ação civil pública exigindo a nomeação de 85 aprovados no concurso da PM. A região, com forte presença do crime organizado, sofre com a ausência de policiamento. De acordo com o documento da ACAP-PMMT, há cidades com apenas um policial de plantão, sem estrutura mínima para garantir a segurança da população.
O estado possui 142 municípios, distribuídos em um território continental, com fronteira seca de mil quilômetros com a Bolívia, rota estratégica do tráfico internacional de armas e drogas. Muitos desses municípios não possuem delegacias, efetivo fixo ou presença da PM. Estudo do próprio Tribunal de Contas do Estado (TCE-MT) também apontou que 52 cidades estão sem delegado titular e outras 20 sequer têm delegado ou escrivão. A ausência do policiamento ostensivo favorece a expansão de milícias armadas e grupos de extermínio no interior.
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