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Opinião Quarta-feira, 27 de Agosto de 2025, 15:26 - A | A

Quarta-feira, 27 de Agosto de 2025, 15h:26 - A | A

SIMONE ISHISUKA

Facadas que matam corpos e dilaceram a alma coletiva

Simone Ishisuka

Mais uma mulher foi morta em Mato Grosso. Uma fonoaudióloga, esfaqueada dentro da própria casa, pelo marido. Uma tragédia que expõe, mais uma vez, que o perigo não está apenas em ruas escuras, mas diversas vezes no lugar em que deveríamos estar seguras: o nosso próprio lar.
E mal saímos de um caso de grande repercussão em Cuiabá, que escandalizou o meio jornalístico e cultural, que denunciou um fotógrafo conhecido, frequentador do círculo de comunicadores, admirado por muitos. Um homem que escondia uma face destrutiva, marcada por abusos recorrentes (e de diferentes formas) contra mulheres com quem se relacionava.
E o mais engraçado é que, até agora, neste momento, ainda tem bastante gente que se recusa a acreditar nos relatos, porque a “persona” pública criada por ele parece incompatível com a realidade de dor narrada pelas diversas vítimas, sejam elas de abusos físicos, morais, psicológicos e até patrimoniais. Prometendo a ‘poeira abaixar’ para retomar as relações, sejam elas profissionais ou afetuosas, como antes.
Contudo, meus amigos, sinto informar que é justamente aí que mora o perigo: a violência raramente vem de um desconhecido, mas de quem está ao lado, disfarçado de “gente boa”.
Cada facada dada contra essa mulher, de 33 anos, protetora dos animais e que tinha escolhido Mato Grosso como novo lar, é sentida por todas nós, de uma forma tão profunda que é difícil de descrever. Mas, resumidamente, por quem já foi humilhada, silenciada, diminuída em diferentes níveis.
Além disso, por quem precisou engolir ofensas, aceitar chantagens emocionais ou conviver com o controle disfarçado de cuidado. É sentida por todas que já ouviram “você está exagerando”, “não é bem assim” ou até “você está louca!”. Porque cada golpe contra uma é um lembrete doloroso de que todas estamos em risco - SEM EXCEÇÃO!
A violência nunca começa no corpo. Antes, ela se anuncia em pequenas atitudes, como as críticas que corroem a autoestima, no ciúme sufocante, nas traições justificadas como “normais”, nas manipulações emocionais que confundem e fragilizam. Depois, cresce em silêncios forçados, gritos, ameaças, empurrões. Até chegar ao extremo.
O feminicídio não é um raio que cai do nada na cabeça de qualquer uma, mas é o fim de uma escalada que começa nos detalhes que a sociedade insiste em normalizar.
E esse é o ponto importante que quero chegar, pois temos duas escolhas diante a estes fatos: ou a sociedade se conscientiza de vez de que a violência contra a mulher nasce no “deixa disso”, no “ele parecia tão legal”, no “não deve ser bem assim” ou, enfim, seguiremos enterrando mais mulheres. Não só mortas por facadas, mas também no esvaziamento da alma, no desgaste coletivo de ver a vida feminina sendo ceifada dia após dia.
Nesse prisma doloroso e de obstáculos espinhosos, é preciso parar e reconhecer a importância das mulheres em cada esfera da vida. Somos nós que geramos, cuidamos, sustentamos, trabalhamos, lideramos, resistindo diariamente para conquistar espaço no trabalho e dentro de casa, mesmo sabendo que nunca seremos perfeitas - e nem precisamos ser.
Ainda assim, somos forçadas a viver em um estado de alerta constante. Não apenas em ruas desertas e escuras, mas dentro dos lares e nos nossos relacionamentos mais íntimos, em que monstros, por diversas vezes, se escondem atrás de alianças, sorrisos e discursos bonitos.
Cada facada contra uma mulher é um corte em todas nós, que deixa uma ferida aberta e escancarada que, aparentemente, passa despercebido a cada escândalo como esses. Uma dor coletiva que atravessa gerações.
E enquanto a sociedade continuar negando os sinais e protegendo reputações, em vez de proteger vidas, continuaremos sangrando em praça pública, mas que diversas pessoas preferem desviar o olho, seguir em frente, e fingir que não existe.
*Simone Ishizuka (Sika) é jornalista, artista visual e especialista em comunicação estratégica.

 

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