Este era um nome terrível e assustador que os avós dos meus pais deram àquele bando de vândalos e assaltantes violentos que, movidos por um desejo de vingança e “justiça”, fugiam das leis em direção aos locais mais distantes e ermos, sem medir consequências; ali se escondiam.
Os revoltosos nessa fuga desesperada, aos poucos iam perdendo seus pertences e o estoque de bebidas e mantimentos. Então, àquela turba de famintos revoltados só restava uma alternativa: assaltar e roubar por onde passavam, semeando pânico e pavor.
Em Chapada dos Guimarães o grupo deixou marcas indeléveis na memória dos mais idosos que, com heroísmo, defenderam suas famílias e propriedades. Alguns fatos ocorridos na ocasião, merecem ser relembrados.
Os revoltosos possuíam montarias poderosas. Ao adentrarem o povoado, davam a impressão que a terra tremia sob as patas dos animais em disparada, formando um poeirão que se levantava ao longe, numa nuvem escura e espessa. Servia de alerta para que cada morador do povoado fugisse e se escondesse.
Ao aproximarem-se dos ranchos de sapé com as armas em punho, apeavam, já gritando palavras de ordem:
- Onde está o vagabundo que mora aqui? Não percebe que chegou gente? Venham abrir a porta, que a ordem está dada!
Os camponeses que não haviam conseguido fugir saíam todos trêmulos, na porta da casa. Logo eram empurrados violentamente ao mesmo tempo em que os visitantes invadiam a moradia. Imediatamente dirigiam-se à cozinha, onde abriam as panelas, exigindo água e comida. Alguns ainda aproveitavam as redes armadas para ali se aboletarem confortavelmente, fumando um cigarro. Suas atitudes mostravam que eles agiam como se fossem “os donos do pedaço”.
Se descobrissem ali algum instrumento musical, ordenavam que o pobre morador tocasse o tempo inteiro e ainda obrigavam as moças gque porventura ali estivessem, a dançarem com eles, quisessem ou não. Algumas choravam pedindo clemência, mas de nada adiantava. Ninguém poderia defendê-las. E o pior ainda estaria por vir: os invasores estupravam e raptavam algumas delas, das quais nunca mais se tinham notícias.
Um outro fato marcante, relatado por um tio meu, é que nem os animais escapavam de tamanha crueldade. Quando invadiam uma fazenda de gado, sacrificavam várias reses até encontrarem uma do seu gosto, o que seria a que tivesse a gordura branca e a carne mais macia. Os animais mortos, num rastro tétrico, eram deixados para bichos carniceiros se fartarem com o “banquete”. O momento trágico era relembrado durante muito tempo, até que os restos fossem enterrados por alguém ou se transformassem em adubo.
Meu avô narrou um episódio muito marcante: a avó dele era filha de uma índia que fora “pega a laço” por um português. Em sua velhice, já cega, numa dessas visitas indesejadas e inesperadas dos revoltosos, uma de suas filhas, apavorada, a levou pela mão. As duas correram numa fuga desabalada pelo cerrado; assim alcançaram um grupo de emas que também seguiam em alta velocidade e a avó do meu avô corria tanto que com suas mãos tocava as penas traseiras das aves, gritando:
- Corram, corram, meninas! Os revoltosos estão chegando!
A pobre velha nem sabia onde encontrava tanta força em suas pernas! E, por não enxergar, achava que as emas eram pessoas...
Seria uma cena cômica, não fosse tão trágica! ...
João Eloy é chapadense, médico, professor, escritor, compositor, músico, apresentador do Programa Varanda Pantaneira e articulista do Alô Chapada.
O Alô Chapada não se responsabiliza pelas opiniões emitidas neste espaço, que é de livre manifestação
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