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Opinião Sexta-feira, 16 de Fevereiro de 2024, 07:27 - A | A

Sexta-feira, 16 de Fevereiro de 2024, 07h:27 - A | A

JOÃO ELOY

Na trilha da Bocaina

Os tropeiros de Chapada

João Eloy

Os tropeiros de Chapada seguiam vários trajetos para chegarem à capital mais rapidamente. As cinco léguas do caminho eram percorridas com grande dificuldade. Esta que passo a descrever era a mais curta, mas também apresentava um obstáculo importante, chamado “Estreito da Bocaina”, que desembocava em um vale bem íngreme, até alcançar o córrego das Três Barras.

Ali os tropeiros matulavam e trocavam as roupas, suadas e surradas, pela viagem longa e cansativa, para chegarem com bom aspecto e bem apresentados no Mercado Municipal em Cuiabá, na Avenida Generoso Ponce.

Tive o privilégio, na minha primeira infância, de participar de uma viagem dessas, na garupa do cavalo conduzido por meu pai. Eu era um garoto franzino, que usava de todas as poucas forças, para segurar firme na cintura dele, temendo cair para trás. O animal passava corajosamente por aquela trilha estreita, sinuosa e escura, margeada por abismos profundos. Eu olhava de soslaio as pedras rolantes, que desapareciam no fundo das cavernas sombrias e túneis que formavam um emaranhado dentro do penhasco.

Meu pai, cuidadoso, gritava comigo:
- Segura “bem duro”, Joãozinho, pois o cavalo é cismado e sestroso e o solo, pedregoso e escorregadio. Aqui é esconderijo de animais perigosos: onças, cobras e antas. Observe o rastro de um veado, bem ali. Com certeza servirá de alimento para uma fera.

Minha mãe Cici ia logo à frente, montada em um animal mais manso.

Em certos pontos a serra cortante abria vãos entre fileiras de formações que lembravam um agulheiro. Então meu pai, novamente, chamava minha atenção: 

- Joãozinho, não olhe para baixo, mas sempre para a frente!

Os cavaleiros, companheiros de jornada, iam conversando em alta voz, relatando lendas antigas: naquelas locas de pedras vermelhas do penhasco também se escondiam os famosos “pé de garrafa”, “mula sem cabeça” e a “mulher de branco”, terror dos viajantes que por acaso a encontrassem.

Contavam também a história do Felisberto Papudo (nome fictício), conhecido feiticeiro do Capão Seco, que tinha o poder de desaparecer e até mesmo de se transformar em um toco.

Ao ouvir aquelas histórias tão tenebrosas, meus cabelos se arrepiavam no corpo inteiro, de tanto medo!

Enquanto avançávamos serra abaixo, o horizonte lindo se abria e de um lado a outro se descortinava logo ali embaixo, um vale verde. Ao longe, quase a perder de vista, o relevo dos morros atrás dos morros, em uma verdadeira fantasia em “degradé”...

Após o término da descida da serra, todos parávamos para necessidades fisiológicas e descanso, à beira de um riacho. Repúnhamos as energias com o que havíamos trazido nos sapicuás: farofa de frango, bananinha, rapadura e farinha.

Os fumantes aproveitavam para satisfazer o vício: faziam enormes cigarros de palha com fumo de rolo.

Então olhávamos para o alto, relembrando os caminhos das trilhas por onde viajáramos e sentíamos todos que a serra, na verdade, era muito mais bonita e muito maior do que aparentava e que ali ela estava, só Deus sabia, há quantos séculos, a tão poucos passos do paraíso!...

João Eloy é chapadense, médico, professor, escritor, compositor, músico, apresentador do Programa Varanda Pantaneira e articulista do Alô Chapada

 

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Marina 16/02/2024

Lembra em muito os relatos que meu pai fazia quando no final da tarde sentava conosco (os filhos e esposa) e contava as histórias que viveu na época de tropeiro viajante e transportava gados e cavalos de uma fazenda para outra...! Saudades do meu pai e suas histórias!

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José Ricardo Sant'Ana Brito 16/02/2024

Nos relembra os relatos que meus antepassados contavam do caminho entre Chapada e Cuiabá. Relatos maravilhosos .

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Paulete Grando 16/02/2024

Adorei este texto. Sugiro trazer mais textos semelhantes que nos tragam a magia do passado .

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Laura Figueiredo 16/02/2024

Belíssimo relato!

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4 comentários