Em um passo importante para a justiça, verdade e a memória, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) realiza na próxima segunda-feira (21) uma audiência pública sobre as violações de direitos humanos cometidas contra os povos indígenas durante a ditadura militar (1964-1985) no Brasil.
Este espaço na CIDH é fruto da unificação de diversos pedidos apresentados por uma ampla coalizão de organizações indígenas, defensorias públicas, universidades, entidades de direitos humanos e parlamentares.
A iniciativa visa provocar o Estado brasileiro a reconhecer publicamente as graves violações infligidas, investigar e punir os responsáveis, conceder reparações integrais, garantir a demarcação de terras, combater o racismo estrutural e instalar uma Comissão Nacional Indígena da Verdade, com a participação efetiva das comunidades afetadas.
Em Mato Grosso, entre os povos atingidos pela ditadura estão os Kajkwakhratxi-Tapayuna, que tradicionalmente habitavam as margens do rio Arinos. Eles têm uma história marcada por tentativas violentas de “pacificação” pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e, posteriormente, pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Os registros mostram envenenamentos em massa em 1953 e novamente na década de 1960, além da disseminação de gripe após expedição da Funai em 1969, resultando em inúmeras mortes. A colonização desenfreada da região, impulsionada por políticas estaduais e federais que visavam o desenvolvimento a qualquer custo, fomentou a invasão de seus territórios por fazendeiros, garimpeiros e madeireiros, intensificando os conflitos e a violência.
Na década de 1970, os Kajkwakhratxi-Tapayuna que sobreviveram a essa onda de violência foram compulsoriamente transferidos para o Parque Indígena do Xingu, um ato que culminou com a extinção formal de sua reserva original em 1976. O impacto demográfico foi avassalador: das aproximadamente 1.200 pessoas do povo Kajkwakhratxi-Tapayuna estimadas em 1968, apenas 41 chegaram ao novo território.
Em abril, a Operação Amazônia Nativa (OPAN), em parceria com a Amigos da Terra – Amazônia Brasileira (AdT), entregou ao relator especial sobre Verdade, Justiça, Reparação e Garantias de Não Repetição da Organização das Nações Unidas (ONU), Bernard Duhaime, o documento “Direitos Humanos, Povos Indígenas, Ditadura Militar no Brasil”. Este material detalha as violações sofridas pelos povos indígenas de Mato Grosso durante o regime militar.
Agora, a próxima audiência da CIDH, marcada para 21 de julho de 2025, promete dar ainda mais visibilidade a essas atrocidades. Serão abordados casos emblemáticos de violência, como os que atingiram os Kajkwakhratxi-Tapayuna, além de outros povos como os Kayabi, Manoki e Myky, que ainda hoje enfrentam prejuízos territoriais resultantes da ditadura.
A expectativa é que essa audiência também pressione a Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso a finalmente criar uma comissão estadual indígena da verdade para investigar as violações ocorridas no estado. Apesar da Comissão Nacional da Verdade (CNV), em seu relatório de 2014, ter reconhecido a impossibilidade de uma apuração minuciosa dos crimes contra povos indígenas devido à vastidão e complexidade das violações – e ter recomendado a criação de uma Comissão Nacional Indígena da Verdade –, a recomendação ainda não saiu do papel.
“A audiência joga luz para o tema das violações de direitos humanos dos povos indígenas durante a ditadura militar brasileira e a necessidade do Estado em se debruçar sobre isso, de apurar os crimes que aconteceram com os povos que são residentes aqui no estado para que isso nunca mais se repita e que esses povos possam ter os seus direitos reparados e garantias de não repetição desses crimes. Além de outras reparações nos moldes que preconiza a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e as recomendações da Comissão Interamericana”, afirma a advogada da OPAN, Brisa Libardi.
Entre os solicitantes da audiência estão a OPAN, Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul (DPE-RS), a Associação das Defensoras e Defensores pela Democracia, Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH-RS), Serviço de Assistência Jurídica Universitária (SAJU) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Fórum Justiça, Justiça Global, Conselho Nacional de Ouvidorias de Defensorias Públicas do Brasil (CNODP), Centro de Trabalho Indigenista (CTI), Associação de Estudos e Projetos com Povos Indígenas e Minoritários (AEPIM), Fundação Luterana de Diaconia (FLD), Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (ArpinSul), Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap), Defensoria Pública da União (DPU), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Conselho Indigenista Missionário (CIMI-SUL), Instituto Socioambiental (ISA), Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), e de parlamentares como Célia Xakriabá (PSOL/MG), Matheus Gomes (PSOL/RS), Daiana Santos (PCdoB/RS), Renato Roseno (PSOL/CE) e Sofia Cavedon (PT/RS).
Link para participar da audiência em 21 de julho: https://www.zoomgov.com/webinar/register/WN_7LGAAPIWTP6rNPaQAScwKQ
Entre no grupo do Alô Chapada no WhatsApp e receba notícias em tempo real