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Opinião Sábado, 21 de Junho de 2025, 17:36 - A | A

Sábado, 21 de Junho de 2025, 17h:36 - A | A

ELISMAR BEZERRA ARRUDA

O que nos faz humanos é aprender e o ensinar pelo trabalho, mas qual trabalho?

Elismar Bezerra Arruda

A escrita marca um momento superior da leitura da realidade, do mundo, pela Humanidade; sim, primeiro aprendemos a ler, para depois inventarmos sons que, articulados, tornaram-se a expressão oral do que víamos e líamos – somente muito depois, é que signos, sinais, capazes de expressar o visto, o lido e falado, foram sendo criados. Daí crer que a Humanidade foi a criação mais demorada no esmero, pela Natureza, para habitar a Terra com os demais Seres Vegetais e Animais; e com tantas complexidades, que, ainda em nossos dias, está inconclusa, em construção. Mas, foi de um jeito tal que, quando os demais Seres quiseram reclamar daquela distinção ao Ser dos Humanos, Ela lhes disse num riso de Ternura jamais visto: “– Vós sois já, a essência do Paraíso, em paciência e beleza e graça: estão completos e os ponho na Terra, precisamente por isso!”. Daí que a Inteligência, com que revestiu a Mente Humana, foi para que desenvolvesse essa superioridade sempre referente à serenidade do mais profundo sentimento consolador; para haver Ternura em tudo que olhasse, desejasse, fizesse e tivesse sob seus domínios, à vista da ineludível finitude...
Aí fez de cada um, singularidade; que, de tão própria, outro nenhum igual, seria. Mas, dum jeito pra ninguém se arvorar maior, superiormente, inventou o mistério da coletividade; que é muito maior que o ajuntamento de um mais o outro, somados – e, cada um sendo a linda unidade de todas as demais diversidades, de que fora constituído. E, para tudo ser realizado assim, gastou séculos e séculos, numa paciência milenar, para que o desenvolver humano se desse pelo próprio ver, pelo sentir, pelo provar na língua e na pele, experimentando cada coisinha, cada querer, cada acontecer, por sua forma e cheiro e som e sabor, sem a agonia de prazo para saber. Até que, percebendo tudo por suas minúcias, começaram a anotar nas paredes das casas-cavernas, as coisas, os acontecidos e o jeito de se construir o próprio viver, com tinta-sangue misturada ao pó de coisas queimadas...
Sabe, foi ali, daquela maneira, que foram nascendo os que mais se deram a aprender e que, sabendo mais e gostando daquilo, deram-se a dizer aos outros o que sabiam – Educadores! Eles que anotaram as lições do dia-a-dia, a História, nos primeiros “quadros-de-giz”, tudo antes da invenção das letras; para ensinarem sobre si, seus tempos e lugares, aos que viessem depois, como nós: que nos encantamos com o que vimos e lemos no Sítio de Santa Elina, milênios depois. Como a belíssima Niède Guidon, que se encantou com o que viu inscrito nas serras nordestinas; e tanto, de tal modo, que, pra lá se mudou, e ali viveu de pesquisar, de querer saber e ensinar também, preservando tudo, até morrer, um dia desse, depois de criado o Parque Nacional da Serra da Capivara – que bem podia ter seu nome ali acrescido...
Eis a leitura, desde as sutilizas todas de cada planta, e formigas e bichos e passarinhos e rios e lagos e estrelas e nuvens, a orientar as mãos para o desenvolver da inteligência; que foi aprendendo e, sabendo o que era, foi dando nome a tudo pra não esquecer e para dizer a si e aos outros, ensinando, o que já sabia, tinha aprendido. Os bichos todos, não humanos, por estarem inteiramente terminados, viveram sempre do que acharam dado pela Natureza, pronto para comer, para habitar, pra brincar e amar; nós, não! E foi por aquele aprendizado que não ficamos assim, como os bichos: inventamos vontades e gostos e desejos próprios, humanos. É que, depois de nos dar a inteligência, disse-nos, Ele, impositivamente: “viverás do suor do próprio rosto!”; daí, quando quisemos comer diferentemente do que a natureza dava pronto, quando não quisemos mais morar debaixo de árvores e em cavernas – demo-nos a fazer tudo conforme vontades e desejos novos, renovados sempre, da casa à comida; das necessidades velhas e novas, é que nasceram as mais doidas invencionices: mudando, transformando as coisas naturais, em coisas humanamente concebidas e realizadas!
Diz-se que, uns, vendo tudo sendo feito e mais o que podíamos, pensaram, armando arapuca e tristes perversidades pros outros: “...vida boa, melhor, será, se conseguir inventar jeito de viver do suor do rosto dos outros, desnecessitando de suor meu...”. Então, o que era de todos, a terra de produzir e morar, tomaram pra si, somente; e todos os demais, tornaram-se despossuídos de tudo; daí foi que, sem moradia e comida, esse principal da vida, tiveram que ir arranjar submissamente aos pés daqueles uns, que tudo tinham, dizendo-lhes: “Sim, senhor!”. Diz-se, que, essa mesquinheza encheu o mundo de tristezas até às planuras celestiais, de modo que ao sentir isso, Ele se quedou nos seus silêncios siderais por horas de eternidade, e, quando acordou, mandou Anjo descer aqui, pra dizer à Maria as coisas que sabemos que ela ouviu e, obedecendo, contou a José. Homem bom, carpinteiro, admirável e temente, conforme cantou-dizendo Rita Lee, José aceitou tudo, amando desmedidamente Maria e o Filho, ensinando-lhe o que sabia, ensinou amavelmente...
Aí, o Filho crescido, palestino simples, plenificado de conhecimentos sobre os Céus e a Terra, ao ver a soberba daqueles uns, impondo-se poderosos pelas coisas conquistadas com fio assassino de espadas, disse lembrando-nos: “–Reparai senhores dos palácios e templos: Deus, não sois! O que tendes, é o quê, diante de tudo o que vês feito pelo Misericordioso? Digo-vos, pois: amai-O, sobre todas essas coisas, Amai-O! E Amais aos demais, como a ti mesmo!” Uns entenderam e se corrigiram: poucos; mas, a maior parte, não: e O mataram de morte horrivelmente dolorida, de Crucificação – com Maria assistindo e chorando, choro de Mãe...
Ensinar é cansativo, e ficou muito perigoso, demais: exige aprender pra saber convencer o aprendente a aprender – e ter cuidado, com o poder que se faz mais poderoso com a ignorância esparramada no povo: era assim, é agora. Mas, apesar da Sim, agora, a mesquinheza daqueles uns (continuada nos séculos de Impérios e Feudos e Liberalismos, complexificando cada vez mais o entendimento da vida), os despossuídos conseguiram um tempo em poucos meses e horas contado, pra todo o necessário ser aprendido no curso dos anos da meninice e da juventude – curvadas à necessidade de qualificar a conquista de um viver pra trabalhar; assim se fez seu apender escolar, nas frestas dos entraves por aqueles impostos, sob o interesse de turvar o horizonte dos aprendentes e impedir um curso livre, aberto, para a humanização do mundo. Daí, Educador adoece de morte, ainda antes da velhice; e uma Professora disse ter visto um rapaz moço desatinar na sua frente: num repente, subiu num banco da sala de aula gritando para se ouvir longe: “Eu sou Deus!”. Endoidara, enlouquecera, de quê, de estudo? Talvez, do confronto entre a vida endurecida e as revelações dos estudos...
Professora de nome e história fáceis de se saber, perdeu-se de si, desconheceu marido e filhos; consultou médico, tomou remédio, mas nunca mais se curou: viveu assim, desimportando-se de vez com mundo, fechada em si, esquecida de si, doendo-se toda, de tanta falta de tempo pra descanso, mesmo em casa. Foi sendo esquecida, até ninguém lembrar; nenhuma homenagem houve, nem quando inauguraram escola nova: para esta, deram o nome da mãe da avó de um político canalha. Pra professora mesmo, nem carecia mais; pro mundo, sim, certamente – só-somente, uma aluna mais piedosa disse, quando soube: “Coitada!”. O mundo e as Escolas seguiram iguais...
Até que maridos e esposas e filhos e filhas disseram, reclamando: “– Né possível, não: isso de trazer trabalho pra casa!” Professoras e Professores ouviram cabisbaixos, cordatos, e se disseram dentro da Escola, uníssono: “– É necessário um tempo pago pros trabalhos de depois da sala-de-aula: planejamentos, correções de tarefas e provas; é necessário um tempo para estudarmos os casos singulares de aprendizagens, as filosofias, a Pedagogia – é mister que assim seja, que tenhamos tempo pra gozar prazeres carnais e espirituais: gente, somos!”. Disseram-se uns aos outros e a outros mais, e muita gente soube, de dentro e de fora, ficaram sabendo, concordando, pedindo urgência pra desse jeito ser. Aí, veja como são as coisas: diz-se que, por descuido, o Governador Wilmar Peres assinou a Lei instituindo as Horas Atividades, homologou assim: metade da jornada ficava para aqueles trabalhos sem alunos. Alívio!
Houve demorados risos de satisfação nas Salas dos Professores e Professoras, Escolas do mundo mato-grossense inteiro festejaram; aí, livros se esparramavam nas mesas sob o olhar estudioso de Mestres e Mestras, que liam discutindo alegremente, dizendo-se em desafio assumido: “– Todo mundo precisa e pode aprender: aprendamos mais, pra saber ensinar qualquer um!”. Falavam assim, entusiasmados, lendo, discutindo, aprendendo: Emília Ferreiro, Makarenko, Dewey, Saviani, Paulo Freire, Gadotti, Florestan, Gramsci, Marx, Engels, Pedrinho Guareschi, Marta Harnercker, Paolo Nosella e tantos outros, e mais as experiências boas de que se tinha notícias, escritas. Fez-se tempo de arar a Terra, plantar Semente boa e regar com alegria; as mentes todas cresciam em saberes diversos, profundamente. Mas, nada corria sem o olhar odioso dos do status quo, daqueles uns, vigilantes: queriam parar aquilo, de mais sabedoria, conhecimentos, pra Professores, Professoras e Escola Públicas – e armavam jeito de tudo revogar, aos poucos, pra sociedade não notar o ódio, a perversidade...
Tão bonito e satisfatório era, que, um dia, João Monlevade chegou no Sindicato com uma notícia boa: “– Propus e o jornal O Estado de Mato Grosso aceitou, a publicação de um tabloide sobre Educação, pra ser veiculado como encarte do jornal, nas edições de domingo!”. Dirigia o jornal, a Professora Isabel Campos que, a seu modo, sempre muito entusiasmada com a Educação, achou a ideia boa: elaborar um jornal didático-pedagógico, de oito páginas, para ajudar os Professores e Professoras com os seus Planos de Aulas, qualificando mais os processos de ensino e aprendizagem, no curso da efetivação das Horas Atividades. Constituímos um grupo de Educadores (João Monlevade, Beleni Grando, Isabel Träsel, Mirtes, Cláudio Casares... 30 anos depois, não lembro o nome de todos) para, conforme as especializações teórico-práticas de cada um, escrever as matérias, as atividades, da Matemática, de Química, Física, História, Língua Portuguesa etc.; além de fazer as ilustrações e escrever resenhas sobre obras da literatura brasileira, etc. Semanalmente tudo era discutido e elaborado de forma que, no dia aprazado, entregava-se na sede do Jornal, ali em Várzea Grande, para a diagramação e impressão. Com o nome de Hora-Atividade, o tabloide-encarte fez muito sucesso, de modo a aumentar significativamente as vendas da edição de domingo d’O Estado de Mato Grosso, em todas as bancas, notadamente nas do interior do estado...
Era um tempo em que, Professor ou Professora nunca aprovava um aluno sem que ele tivesse a Aprendizagem requerida para a série ou ano em que estivesse matriculado; de modo que, se a nossa Escola Básica não figurava entre as oito melhores do País, também não havia mentira na Aprovação dos alunos: Aprovação e Aprendizagem se equivaliam, verdadeiramente! Com um processo escolar muito superior, qualitativamente, ao que se observa hoje, os níveis de Aprendizagem eram muito maiores e melhores que os de agora – quando os índices de aprovação nos colocam em “oitavo lugar do ranking nacional”, mas, os níveis de Aprendizagens não ultrapassam, em muitos casos, os 30% dos estudantes aprovados! Tudo podendo ser verificado pelo Ministério Público, Tribunal de Contas e a Assembleia Legislativa...
As Horas Atividades foram ao longo do tempo sendo desidratadas pelo Governo Estadual: num primeiro momento, reduzindo-as para 33% da jornada de trabalho, de modo a servir, quando muito, para o planejamento e correção de provas; agora, apenas para fazer lançamentos burocráticos no “sistema” da Secretaria, de modo a não servir mais para planejar e, de forma nenhuma, pra estudos dos Professores e Professoras. É que o tal do “Sistema Estruturado de Ensino”, caríssimo, desestruturando o Processo Educacional Escolar pela burocratização e manietação da docência, reduziu os processos de ensino-aprendizagem a cumprimento de carga horária, dias letivos e consumo de livros que, sequer, são estudados, como devia ser. Com efeito, hoje, o Hora-Atividade não teria serventia, porque a Aprendizagem dos Alunos não importa mais – importam os lançamentos de presenças e notas, ajustadas no sistema para oficializar a aprovação de todos! Dessa forma, de oitavo lugar, Mato Grosso chegará logo, logo, ao primeiro, no ranking nacional; e o status quo, daqueles uns, terá o que sempre quis, educacionalmente, para as massas trabalhadoras: uma Escola que lhes dá Escolaridade, mas lhes nega o Conhecimento! A ver...

*Prof. Dr. Elismar Bezerra Arruda é professor na rede pública de ensino. 

 

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