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Opinião Segunda-feira, 16 de Junho de 2025, 07:00 - A | A

Segunda-feira, 16 de Junho de 2025, 07h:00 - A | A

Elismar Bezerra Arruda

Uma rede de rádio: nossa tentativa de reinventar a comunicação

Elismar Bezerra Arruda

Um dia, os de nós que sobreviverem aos 80, 90 anos, lá no limiar do novo século, talvez tenham que explicar aos de então, o que eram as Rádios antes da internet; essa maravilha que informou, encantou e fez sonhar moços e velhos nos Sertões mais virgens de tecnologias e novidades urbanistas. Lá, onde a “tela” vista e admirada era o Céu, especialmente o do Outono, com seu azul infinito, sem nuvens; quando, sem medo, as estrelas se aproximavam da terra, aos milhões, para se refletirem naqueles olhares ingênuos e belos. Sim, naquelas lonjuras chegavam as Rádios; especialmente nas madrugadas sertanejas e na boca da noite, os Programas de Rádio faziam a imaginação ganhar mundos desconhecidos, inclusive pelo que se dizia das cidades, por falas e músicas que chegavam pelas Ondas Curtas e Médias do rádio à pilha, buscadas e sintonizadas rolando o dial para um lado e outro, em meio à chiadeira...
Os comunicadores conheciam os dois mundos, o Sertão e a Cidade, sabiam encantar as mentes, de modo que o comunicar se fazia com o tempo para a informação tomar a forma de um poema, se o tema requeria assim ser – então, era falado e ouvido como um poema deve ser. Mais ainda, porque a Natureza se expressava nas virgindades de cantos, cores e olhares e mentes e mãos, sem necessidades outras, além de um existir conformado à ternura de se crer ser Criatura, querendo uma Eternidade; que, para alcança-la, era preciso o esforço diário para um modo de ser afável e lhano. Sim, ali a poesia se mostrou uma única vez por seu avesso mais risonho e autêntico e misterioso; então, foi que o Corrupião, o Bicudo, as Araras, os Curiós e os Canarinhos-da-Terra,
foram sendo pintados com cores que não lhes saíram mais, depois, porque era necessário às próprias cores e ao silêncio do Sertão, aprenderam por um encanto sidéreo os seus cantos, coisa que nunca mais se deu – e tudo foi no correr de muitos anos. A Poesia é tessitura delicada, e foi sabendo desse milagre que as mulheres chinesas inventaram os fios e as tramas finíssimas dos tecidos de seda...
Olha que tudo isso foi se amalgamando como lavas esfriando à pedra, e trazendo das entranhas mais quentes da Terra, a fertilidade para as plantas germinarem, crescerem e darem frutos para pássaros e bichos e gentes; aí, alguém mais atencioso viu tudo calmamente, e, revendo rebrilhado nos olhos dos demais, pensou e disse consigo num espanto: “Deus!”. Então, ouvido pelos outros-demais, esparramou-se o conceito em todos os espíritos, vergando todos os corpos a esse entendimento, orientando todas as falas unidas, e, um ou outro gemido, até os dias da invenção da Ciência – que tudo quis reexplicar, por outro parecer. Sim, antes era tudo mais simples no ver, no falar, no entender e fazer as coisas necessárias para aquele viver miúdo, mas, farto de ser em si,
sem as ganâncias que se viu depois, continuadamente...
Então, quando as Rádios se difundiram por suas ondas, já vigia, entranhados, uns sentimentos diversos das simplicidades de outrora; inclusive o Amor estava sendo tomado por outras significâncias, além da bem-querença em si e da procriação necessária – de cujo ato necessário, ainda era tratado com certa parcimônia pelas mães, em conselhos ternos e submissos, sussurrados, às filhas. As notícias começaram a se fazer carregadas da dureza do progresso, pela força motriz de tratores rasgando florestas e cerrados, destruindo aldeias, soterrando pântanos, jogando por terra os ninhos dos Xexéus tão bem-trançados, e ridicularizando aquele jeito antigo de falar e se entender, sinceramente. E informaram da necessidade de cortar a correnteza de rios, represa-los
em lagos imensos e, só depois, deixá-los seguir o velho curso até outro rio e depois se dar à imensidão do mar, adocicando-o um pouco; tudo para mover roldanas e outras engrenagens de fábricas imensas, a produzirem do sal ao sabão, para a venda pra todo mundo: até no Sertão...
A Ciência, já esposada pelos donos dos grandes capitais, que a tratavam com ciúmes jamais vistos, especialmente contra o olhar pidão, desejoso, dos debaixo, desescolarizados, orientava um produzir por tecnologias irrefreáveis, fazendo tudo se curvar aos seus pés insensíveis; de modo que aquelas propagandas foram sendo materializadas aos olhos e ouvidos pelos monoblocos, que chegaram apitando suas buzinas desrespeitosas, anunciando a ligeireza com que se rompia as distâncias: com o sorriso dos que parentes que chegavam, confirmando tudo...
As notícias das Rádios ficaram cada vez mais pesadas nas mentes, depois nos bolsos, pelas propagandas boas e ruins; de modo maior ainda, quando, governantes e políticos em geral, descobriram-nas como poderoso instrumento para falar mais e convencer e conquistar apoios e votos, dizendo o que quisesse nos seus microfones.
Daí, fizeram-nas curvarem às suas necessidades e interesses, transformando aqueles ouvintes em repositórios de mensagens, fazendo com que nomes e biografias parecessem ser o que nunca tinham sido; aí, o Sertão e suas singelezas se tornaram apenas adjetivos pitorescos, para emoldurar essas e outras mensagens deletérias. A realidade das coisas todas que se via e tocava e sentia o cheiro, e que carnificavam o Sertão, foi virando aberração, em face do que se propagou como civilização: a pressa, o brilho, a individuação, a política higienista, erigindo-se como real para o olhar, para o sentir e, especialmente, para o desejar de todos, um falar manhoso e convincente sobre o que nem se concebia o formato, o feitio, a finalidade e a danura que era – a vida nunca mais foi daquele jeito, de antes...
Ao fim, no meio de tudo, a sabedoria emerge pela dor de se saber findando-se; mas, aí, falta força e tempo e lugar e gente para ouvir o que se tem pra dizer. Foi o que se ouviu de certo homem rico, cheio de todos os confortos, mas farto de idade, a dizer doído, fragilizado pelo tempo: “daria toda a minha fortuna para voltar ter quarenta anos...” Mas, reparado bem, foi um dizer mesquinho: porque queria, mesmo, ter a força que não tem mais, a disposição, a intrepidez de outrora, pra quê queria? Ser novamente, o que foi, os mesmos erros? Fosse sincero naquele dizer, diria antes aos herdeiros para não repetirem suas perversidades patronais; não disse, disso se calou sempre, até ali, na sua velhice. Nisso, nesse interesse extremo, tem muito de desamor, de desprezo aos
outros, a tudo que não é o seu eu-sozinho, ou a extensão de si...
Tão diverso era, oposto, diferentemente dos sentimentos do Professor que perdera a esposa, Elza – companheira de muitos anos de viver juntos, até no exílio juntos; vi ele dizer sem choro, saudoso: “...mesmo quando eu estava em algum lugar do mundo, distante de Elza, em Genebra, por exemplo, ao me deitar, sentia que ela estava comigo; agora, não: mesmo deitando-me em nossa cama, sei que ela não está mais comigo...”. Mais, nem precisava dizer mais. Mas, digo: Amor mesmo, é sentir do outro, a presença na ausência, a necessidade da outra presença em si, da voz, do cheiro do corpo antes do perfume, e, assim sendo, sentir ser necessário, também. Veja: num então assim, o mundo vige suspenso por esses pranas, abrindo-se numa alegria com e sem riso, satisfeito desde muito dentro...
A engenhosidade da Natureza ao nos conceber, fez o sentimento em si, por si, não se sustentar, de modo a carecer de apoio tangivelmente corpóreo; que, por sua vez, carece de coisas pra comer, vestir, pra ir, pra vir, brincar, passear em lugar novo, pra vere desvê o que lhe parecer necessário, pra ser o que quiser ser, seja o que for, mas, sem maldade de prejudicação aos demais. Sim, todas essas sustanças careceram de ser feitas em produção esforçosa, por braços e mãos e mentes; e, cada fazer de cada coisa, precisou ser aprendido, ensinado, portanto. Eis que, então, para ir se humanizando, qualificando-se, inclusive de belezas e ternuras, desde antes de a Humanidade inventar a primeira Escola, séculos antes do Nascimento do Nosso Senhor Jesus Cristo – a Vida careceu e fez emergir nas greis e tribos e ajuntamentos todos, uma gente que se deu à arte de fazer-aprendendo, para ensinar-reaprendendo o viver e o próprio ensinar aos
outros, aos demais. E se fez de um jeito tão acertado, capazmente, que, de tão importante, tornou-se necessidade permanente para o ser de todos – fez-se profissão: Professor, Professora...
Estes, nos anos de 1990, milênios depois daquele iniciozinho, premidos por tantas precisões impostas pelos interesses deletérios dos que tudo querem pra si, pelo que sentiam e sabiam do alcance e entranhamento das Rádios nas mentes das pessoas todas – buscaram fortalecer mais suas capacidades comunicativas, inventaram uma tal “Rede de Rádio do Sindicato”. Suas vozes, com suas necessidades reivindicadas ganharam as distâncias e lugares mais remotos, onde tinha e não tinha Professor deprofissão. Foi assim: compram meia hora da programação de uma grande quantidade de rádios, de Cuiabá e do interior do estado, abrangendo todas as regiões mato-grossenses, e veicularam o “Sintep no Ar!”, nas manhãs de sábado ou domingo, não lembro.
Gravam os programas toda semana nos estúdios da Rádio Gazeta em Cuiabá, depois distribuíam as fitas k-7 para as Rádios do interior, mandadas pelos ônibus,
antecipadamente...
Foi sucesso, de boa audiência, atestada pelo, então Deputado Roberto França, que me disse, num dia, nas dependências da Assembleia Legislativa: “– Presidente, vocês estão indo longe, com esse programa de rádio, né?! Ouvi vocês lá em Barão (de Melgaço), no final de semana passado. Fui pescar e, quando entrei na casa de um compadre meu, o rádio dele estava ligado, e vocês falando...” Sim, Professores e Professoras e a comunidade em geral ouviam e gostavam. É de se dizer: foi uma ideia copiada de outra fazer fantástico dos Trabalhadores: o Programa de Rádio do NEP de Colíder, no final dos anos de 1980! Tempo bom, de reinvenção da Escola e da Educação, para o reinventar dos Trabalhadores e Trabalhadoras, pelo educar dos seus Filhos e Filhas. É outra história, que conto depois...
Naquele tempo, sem internet e sem asfalto, as distâncias das cidadezinhas sertanejas de Mato Grosso eram muito mais longínquas, que se ir de Cuiabá à China
hoje em dia: gastava-se mais tempo. Nossa Rede de Rádio durou o tempo que foi possível: empresário quer que, ali, fale quem ele quer que fale; “gente encrenqueira”, não. Era um tempo em que se lia, escrevia e ouvia mais; aí veio a internet e suasfacilidades, e mentiras, e as verdades que precisam ser garimpadas com olhos de saber aprendido em Escola – que a Escola não está a ensinar muito bem. As precisões todas, continuam a incomodar!

Prof. Dr. Elismar Bezerra Arruda é professor na rede pública de ensino.

 

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