Ele sempre foi firme na direção do seu ideal, sabendo que o pensamento cria, o desejo atrai, o sonho conduz e a fé, realiza.
Por vezes precisou ser muito cauteloso na sua caminhada, pois o caminho era estreito, os perigos constantes, sempre encontrava uma pedra na estrada, os abismos eram profundos, grandes eram as tentações e a oferta de prazeres, imediata.
Determinado, soube resguardar-se o suficiente.
De onde ele vinha, ninguém acreditava que pudesse resistir a tantas tentações, mas não se apequenou. Demonstrando raiva e raça, permaneceu calado e, apesar de tudo, gentil e amigável como sempre fora em toda sua vida.
E aqueles que o caluniavam pelas costas, ao ver sua vitória, engoliram bem seco seu próprio veneno.
Mesmo recém-formado, já se estabelecera em seu próprio escritório, em um luxuoso centro comercial da cidade.
Após a jornada de trabalho caminhava até o estacionamento, por duas quadras, onde estava abrigado seu veículo importado, com o qual se dirigia até o flat onde residia, sozinho.
A vida corria confortável, corriqueira, abastada, porém não se sentia feliz. Em seu apartamento, a inteligência artificial estava presente: ao simples som da sua voz, um robô obedecia a suas ordens, ora acendendo as lâmpadas, ora ligando o condicionador de ar e a televisão.
Por várias vezes caminhava pelo aterro da praia a esmo, mas um sorriso não encontrava espaço em seu rosto atento.
Eis que um menino maltrapilho cruzou o seu caminho, sorrindo e cantarolando muito alegre. Estava descalço e com roupas surradas, cabelos desalinhados, ao vento. Trazia embaixo do braço, duas caixas de papelão dobradas.
Arrebatado pela cena, não se conteve e abordou aquela pobre criatura:
- Ei, menino, diga-me, por favor, o que o torna assim tão feliz!
Sem nenhum medo ou vergonha, o menino lhe respondeu:
- Olhe, seu doutor, acabei de saborear um resto de sanduíche que uma pessoa generosa me deu ali na lanchonete e já tenho onde passar a noite hoje: farei meu colchão com o papelão dessas caixas. Ganhei meu dia!
O arquiteto então, teve um encontro consigo mesmo. Diante de tão bizarro acontecimento, concluiu que havia sido sugado pelo mundo passageiro do consumismo habitual, desértico e calculista. Apesar do seu alto nível social, conforme os padrões vigentes, vivia jogado num abismo de solidão, sem ver o sol e a lua, sem ter amigos.
Um pouco de simplicidade e desprendimento lhe cairiam muito bem. Quem sabe investir em férias e “botar a cara no mundo”? Fosse como fosse, ele necessitava colocar seus pés no chão, refugiar-se num estado de humildade, observar melhor ao seu redor.
Por um momento, o arquiteto sentiu inveja do pobre menino, que era livre como um passarinho, não tinha diploma, mas podia voar em qualquer direção, sem as peias cruéis da vida moderna e consumista.
Aquele menino foi um farol de sorrisos, que lançou luzes em alguns instantes da vida do solitário arquiteto.
João Eloy é chapadense, médico, professor, escritor, compositor, músico, apresentador do Programa Varanda Pantaneira e articulista do Alô Chapada.
O Alô Chapada não se responsabiliza pelas opiniões emitidas neste espaço, que é de livre manifestação
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