As descobertas de fósseis de dinossauros e conchas fossilizadas vêm iluminando novos contornos da história geológica da Chapada dos Guimarães. Um dia recoberta pelas águas do oceano, a região hoje é palco de escavações paleontológicas que reconstituem paisagens e seres de um passado remoto. As relíquias foram encontradas por pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e datam de períodos geológicos distintos — desde a era dos dinossauros até épocas em que o mar cobria completamente a atual cidade turística.
A iniciativa, além do suporte científico da UFMT, conta também com financiamento por meio de uma emenda parlamentar articulada com a Secretaria de Estado de Cultura, Esporte e Lazer (Secel).
À frente dos trabalhos está o geólogo Caiubi Kuhn, doutor em Geociências e Meio Ambiente pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e pela Universidade de Tübingen, na Alemanha. Especialista na leitura das camadas da Terra como quem decifra páginas de um livro antigo, Caiubi participa ativamente das escavações e compartilhou detalhes sobre as metodologias e as descobertas realizadas em Chapada.
Uma história escrita em pedra
"Nesse projeto, nós estamos fazendo a escavação de vários sítios paleontológicos em Chapada dos Guimarães e pesquisas em alguns outros pontos do município. Nós realizamos a escavação em dois sítios que contam diferentes momentos da história do planeta. Um deles é o sítio na região do Cambambe, onde são encontrados fósseis de dinossauros ali do final do período Cretáceo, de aproximadamente 70 milhões de anos. O outro sítio conta a história de quando Chapada foi recoberta pelo mar, há cerca de 410 ou 420 milhões de anos, até 360 milhões de anos. Então, este é um sítio mais antigo do que o anterior [...]"
As palavras do pesquisador evocam a grandiosidade de um tempo em que dinossauros terópodes — carnívoros imponentes, parentes distantes do Tiranossauro Rex — e saurópodes herbívoros de pescoços longos habitavam a região. Os achados incluem também sinais de animais menores, como tartarugas testudines e crocodilos, ampliando o mosaico faunístico da era mesozoica em solo mato-grossense.
No Parque Nacional de Chapada dos Guimarães, as chamadas “conchinhas” fossilizadas são testemunhos silenciosos de quando o oceano dominava a paisagem.
O mar que virou serra
"Podemos dizer que foi um presente, porque em poucos lugares no Brasil ou no mundo se tem tantas rochas diferentes. Isso é resultado da evolução geológica e da história do nosso planeta. Quanto maior a diversidade geológica de lugar, maior a quantidade que nós teremos de tipos de solos, ambientes e de formas de vida [...]"
A fala de Caiubi é quase poética ao explicar a complexidade das formações rochosas da região, que guardam testemunhos de diferentes eras geológicas. Ele ressalta que o cenário atual da Chapada é resultado de movimentos tectônicos e transformações que reconfiguraram o planeta. Houve um tempo em que não existia a Cordilheira dos Andes e o nível do relevo era tão baixo que o mar cobria amplas faixas de terra — incluindo a Chapada.
A arte de escavar o tempo
O trabalho dos pesquisadores é minucioso. Tudo começa com a análise de registros científicos anteriores, seguida por uma etapa de prospecção — uma verdadeira caçada a vestígios escondidos no solo. "Na prospecção, nós vamos a campo, para andar pelos lugares buscando vestígios que indiquem que ali tem um fóssil [...]". A escavação propriamente dita ocorre apenas quando se identificam áreas de grande potencial. O trabalho envolve uma equipe multidisciplinar formada por geólogos, engenheiros, historiadores e estudantes.
Participam ainda instituições nacionais como a Unesp e a Universidade de Brasília (UnB), e pesquisadores estrangeiros, incluindo cientistas argentinos. O projeto atual tem duração prevista de dois anos, embora o tempo entre localizar, escavar e analisar um fóssil possa levar décadas.
Após a escavação, entra em cena a etapa científica: descrever o material coletado, compará-lo com dados existentes na literatura e, possivelmente, anunciar ao mundo a descoberta de uma nova espécie.
"Após realizar esses trabalhos de escavação, são feitos os trabalhos científicos de descrição dos materiais coletados [...] Depois disso, ainda tem mais uma etapa muito importante que é a gente criar formas para que a população conheça isso, por exemplo, réplicas, formas de exposição, desenhos e ilustrações [...]"
Memória geológica e identidade regional
O cientista destaca que um dos objetivos centrais do projeto é valorizar o patrimônio paleontológico da região. Ao contrário do imaginário popular, que associa grandes descobertas apenas a locais como o exterior ou o Sudeste do Brasil, Chapada dos Guimarães mostra-se um verdadeiro santuário fóssil.
"Às vezes, se tem aquela ideia de que só existem fósseis ou registros importantes em outros locais, mas não. A nossa região é riquíssima em relação a isso, o que traz um legado muito importante para a educação, ciência e até mesmo para o turismo [...]"
O valor simbólico e educativo dos achados é imenso. Museus, exposições e projetos culturais ganham nova dimensão ao se alimentarem das descobertas científicas locais. A pré-história de Mato Grosso não está enterrada apenas no solo: ela pode — e deve — viver na memória coletiva da população.
"A descoberta científica não é só uma coisa para colocar na prateleira, ela significa ciência, educação, desenvolvimento econômico e social, porque ela cria produtos. [...] Pode acontecer igual normalmente acontece, que vêm pesquisadores de outros estados ou até de outros países fazem a descoberta, coleta o material, leva para outras instituições e, às vezes, a nossa própria população do estado de Mato Grosso fica sem ter acesso aos materiais e a própria pré-história do estado."
Assim, entre escavações e publicações, entre rochas e revelações, a Chapada dos Guimarães renasce em sua vocação mais profunda: ser testemunha de tempos imemoriais e laboratório vivo da história da Terra.
*Com informações do Gazeta Digital
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