Às sextas-feiras, o que mais se ouve e vê nas redes sociais, é que sextou. Dizem e escrevem comemorando, mesmo os que trabalham no sábado; é que anteveem o alívio do descanso, a leveza breve de algumas horas livres de ordens patronais inquestionáveis. Sim, o trabalho assalariado é tormento, pois, dá-se sob a ameaça da sobrevivência: ou submetemo-nos a ele, ou não temos as condições materiais necessárias à vida. Mas está convencionado, que o assalariamento é “trabalho livre” – é?
Na verdade, os que vivem do salário – que é pago com suas atividades produtivas, realizadas antes de o receber –, vivem prenhes e difundindo verdades alheias; que, assimiladas e tomadas como suas, são repetidas no intento de serem afigurados socialmente como bem informados, como quem sabe. Ora, o saber distingue, e o reconhecimento social nos apraz; o contrário envergonha, e o status quo sabe disso. Daí estar em curso o maior e mais eficaz processo político-pedagógico de ignorantização da sociedade; que se desenvolve, não pela negação da informação, mas, pela produção e difusão de informações em quantidade, amplitude e velocidade jamais vistas. Essas informações, acessadas por um consumidor passivo, são assimiladas e difundidas como se, per si, fossem o Conhecimento – e próprio.
Ocorre que a informação, mesmo sendo elemento importante para a elaboração do conhecimento, não é, por si mesma, conhecimento; que, para ser, exige o estudo rigoroso da informação, do fato, da coisa, do fenômeno – ou seja, o conhecimento requer a análise crítica, a contextualização da informação na história, na realidade, suas conexões com outras informações, interesses, com a política, a economia, a cultura etc. Não fosse assim, não careceríamos da Ciência, e nem de Escola.
A falta desse rigor com a informação, enseja os maiores absurdos; como um trabalhador afirmar, porque viu ou ouviu em algum lugar, que “o problema do Brasil é o excesso de feriados”. No caso, o mais ridículo e triste, é ele achar que repetir isso, o faz parecer socialmente inteligente e qualificado por uma moral que o diferenciaria dos “preguiçosos”; na verdade, a afirmação é falácia ideológica da classe proprietária, cuja finalidade é desqualificar os trabalhadores, para precificar pra baixo a Força de Trabalho. De fato, estudos demonstram que, com o avanço da Ciência aplicada no processo produtivo (na forma de técnicas, tecnologias, máquinas e equipamentos inovadores e revolucionários), é possível reduzir o tempo de trabalho do trabalhador sem que haja redução na produtividade. É o que dizem os resultados de uma pesquisa realizada na Inglaterra, em 2022, em 61 empresas de diversos setores (Jornal da USP de 24/05/2023), em que a jornada de trabalho foi reduzida para 04 (quatro) dias da semana; o sucesso foi tão grande entre trabalhadores e empresários, que 92% das empresas participantes não quiseram voltar à antiga jornada de trabalho.
Mas, a maioria dos trabalhadores nunca leu na “grande” imprensa ou ouviu qualquer coisa sobre esse estudo; por quê?
O problema é complexo: uma coisa é o processo produtivo nos países centrais do capitalismo mundial; outra, são as condições impostas à periferia e à semiperiferia, onde o processo produtivo se desenvolve na forma do capitalismo dependente – cuja produção precisa remunerar, além do capital local, os capitalistas do centro. Na trama capitalista, os direitos dos trabalhadores, especialmente na periferia e na semiperiferia, são tratados como privilégio, empecilhos ao progresso, ao desenvolvimento e à qualificação do processo produtivo. Daí trabalhadores de empresas privadas tratarem os Servidores Públicos, inclusive os Professores e Professoras, como privilegiados, preguiçosos, incompetentes, “com direitos demais”, em razão de suas conquistas.
Nessa esteira de absurdezas, vê-se um discurso absolutamente jumento, em que os Servidores Públicos são tratados depreciativa e agressivamente, pelos trabalhadores atendidos nas repartições em que trabalham, como “seus empregados”; isto porque, “argumentam”, os salários dos Servidores seriam pagos com os impostos que aqueles pagam. Ora, os Servidores Públicos pagam tanto ou mais impostos que os trabalhadores da empresa privada; e os seus salários, assim como o de qualquer empregado da empresa privada, é pago com o trabalho do próprio Servidor – pelo que não devem favor a ninguém. A ignorância arrogante é ridícula!
Não sabem, que o capitalismo vive sob a ameaça de suas próprias contradições, que, insanáveis, precisam ser administradas pela classe proprietária – pelo convencimento e pela violência; notadamente administrar o fato de que, quanto mais produz riquezas, mais a pobreza relativa e absoluta cresce a olhos vistos. Como esconder que a emersão de uns poucos bilionários, com capital superior ao PIB de alguns países, dá-se nos mesmos processo e tempo em que bilhões de trabalhadores, inclusive nos países “do primeiro mundo”, são jogados na mais absoluta miséria? Em face disso, é que uma capciosa estratégia do alto empresariado está sendo “recomendada” aos governos: reduzir e substituir os direitos trabalhistas por assistência social.
Qual o objetivo disso, senão o de desqualificar o trabalhador como sujeito produtor de riquezas, reduzindo-o à massa despersonalizada, subalternizada ao interesse patronal, avesso à própria autonomização?
O Trabalho é fundamental, mas, a Vida do Trabalhador não pode ser só de Trabalho; de forma que seu tempo de não-trabalho, não pode ser apenas para recuperar suas forças, para a realização de mais Trabalho! Então, direitos é que são necessários e no sentido de garantir tempo para ficar em casa, para ver um espetáculo, cuidar de um jardim, amar sem pressa, fazer nada – tempo para, mais que ver, enxergar e viver a vida. A assistência social, ainda que necessária na emergência, não pode substituir ou suprimir direitos, porque ninguém tem ânimo e felicidade vivendo de esmolas; o ânimo para viver, amar e, assim, até gerar filhos, precisa ser fruto do conforto e da alegria conquistados – não válvula de escape para aliviar a dor de não ter e ser, depois de doses anestésicas de álcool. Não só o empresário, mas, também o trabalhador, precisa ter direito à preguiça!
Professor Dr. Elismar Bezerra Arruda é professor da rede pública de ensino
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